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Auto de Infração Ambiental

Por Evânio Mafra*

Pequena Introdução

Antes de entrarmos na discussão do Auto de Infração propriamente dito, vamos debater algumas definições necessárias ao seu entendimento, visto que o Auto de Infração não nasceu do nada.  Ele tem um propósito, motivos e as razões para a sua existência.

Fazendo um grande resumão, sem fidelidade histórica, mas usando fatos históricos reais para ilustrar didaticamente o raciocínio, podemos afirmar que com o surgimento das primeiras associações humanas – nômades, semi-nômades e principalmente as não nômades – o homem estabeleceu regras de conivência pacífica e ordeira para manter, minimamente, a harmonia e a governabilidade aos membros das tribos.

Tais regras, passadas do(s) líder(es) principal(is) aos patriarcas e destes aos seus familiares, governavam a vida da comunidade em todos os aspectos.  Definiam como e quanto se podia caçar, quais os momento propícios às mudanças de localização da tribo, a distribuição dos espólios de guerra, entre outras coisas.  Quem não obedecesse tais regramentos sofria as consequências punitivas proporcionais à sua falta, que à época eram verbalizadas para toda a tribo e passadas de geração à geração como uma espécie de midraxe.

Com a evolução e o crescimento das sociedades, aos poucos o homem incorporou as regras como fio condutor do governo sobre todos como reflexo de justiça e da coisa correta, fazendo surgir, como exemplo, o Código de Hamurabi, com a Lei de Talião (olho por olho e dente por dente).  Exemplo seguido, à sua época, por diversas outras nações que adotaram leis semelhantes e até mais duras.  Mais tarde surgiram os Mandamentos de Deus a Moisés, que se misturaram, ao longo do tempo, pelo menos em parte (não matar, não roubar, etc.), com as Leis Romanas.  E todas,  de uma forma ou de outra, nos influenciam até hoje.

Não importava se as regras eram orais, escritas em tábuas, pedras ou papiros, alguém sempre estava designado para fiscalizá-las, o fiscal, que ajudou a evoluir a forma de registrar as violações às regras, o auto de infração.

E o que isso tem a ver com o Auto de Infração? Bem. Grotescamente, digamos assim, que se o auto de infração existisse no tempo de Hamurabi, antes de alguém ser condenado a perder o olho, por exemplo, seria lavrado um auto de infração, aberto um prazo para que o acusado se defendesse e, caso não provasse sua inocência naquele prazo, ai sim seria condenado a perder o olho pela falta (infração) que cometeu.  Ou melhor, poderia, o fiscal de Hamurabi, ao perceber os primeiros movimentos em direção à violação da lei, lavrar um Auto de Infração com uma Advertência e impedir que o primeiro arrancasse o olho do outro, evitando um problema ocular nos dois.  Como não havia o Auto de Infração, o próprio Hamurabi, ou alguém delegado por  ele, ouvia a reclamação ou narrativa dos fatos, de forma oral, e dizia se quem perdeu o olho tinha o direito de arrancar o olho do outro.  Muitas vezes os fatos já eram narrados com os dois (acusado e acusador) sem um dos olhos.

Então, podemos afirmar que o Auto de Infração é um documento pelo qual a autoridade competente certifica a existência de uma violação à Legislação.  É no Auto de Infração que a violação à Lei é devidamente caracterizada de forma textual, que é registrada sua localização, quem cometeu a violação, que é tipificada (indicação de qual dispositivo legal foi violado) e se impõe, de forma expressa, uma ou mais penalidades ao infrator, que pode ser apenas uma advertência, uma multa pecuniária, uma medida de polícia (embargo, interdição, apreensão, demolição, entre outras) que deve ser cumprida imediatamente.  Lembrando que todos os autos de infração precisam ser julgados por uma autoridade competente.  Daí, no caso de multa, o julgador, confirmando a pretensão punitiva, exige o pagamento do autuado. Havendo uma medida cautelar de polícia, a Autoridade Julgadora avalia se a medida foi aplicada corretamente ou se houve abuso do Fiscal e determina, a manutenção da medida ou sua revogação, conforme o caso.

Quem pode aplicar o Auto de Infração?

De acordo com a Lei Federal 9.605/98, chamada Lei da Vida ou Lei de Crimes Ambientais, que trata não apenas de crime, mas também das infrações administrativas, “são autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente), designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha”.

O Município, como ente federativo do Brasil, baseado nos artigos 23 e 24 da Constituição Federal e mais recentemente com base na Lei Federal Complementar 140/11, já analisada aqui neste site, é plenamente competente para  exercer suas faculdades na tutela ambiental, desde que obedecidas os critérios do Art. 20, da Resolução Conama 237/97, qual seja “Os entes federados, para exercerem suas competências licenciatórias, deverão ter implementados os Conselhos de Meio Ambiente, com caráter deliberativo e participação social e, ainda, possuir em seus quadros ou a sua disposição profissionais legalmente habilitados”.

Em Natal, a Lei Orgânica do Município estabelece, nos artigos 135 a 139 uma série de diretrizes relacionadas ao meio ambiente, entre elas a edição de um Código prevendo, além da Política Municipal de Meio Ambiente, penas às infrações à legislação, exigindo para isso, um corpo de fiscais para fazer cumprir as leis e aplicar as penalidades cabíveis.

Em 1992 o Parlamento Municipal aprovou a Lei Municipal 4.100/92 instituindo o Código Municipal de Meio Ambiente e logo no seu Art. 4º, Inciso I, disse que o município estabelecerá as diretrizes da política ambiental através dos seguintes mecanismos: controle, fiscalização, vigilância e proteção ambiental. E mais a frente, no Art. 11, Inciso X, diz que a Eco Natal[SEMURB] exercerá a vigilância ambiental e o poder de polícia, do qual falaremos mais na frente.

De 1992 a 2004, o Município do Natal exerceu seu papel constitucional na tutela ambiental de forma precária, pois o Art. 134 do Código de Meio Ambiente do Município exige que os agentes públicos a serviço da ECO-NATAL[SEMURB] deverão ter qualificação especifica, exigindo-se, para sua admissão, concurso público de provas e títulos. E só em 2002, por pressão do Ministério Público do Estado, foram criados os cargos de Fiscal Ambiental e Fiscal Urbanístico no Município, através da Lei Municipal 5434/2002 e o concurso para o preenchimento desses cargos ocorreu apenas em abril de 2004.

A Lei Municipal 5434/2002 também definiu as atribuições dos fiscais de meio ambiente e urbanístico, das quais destacamos o poder de lavrar auto de infração e aplicar penalidades aos achados em violação a legislação, caracterizando, mais uma vez, o poder de polícia municipal, do qual falaremos agora.

Poder de Polícia

Existe um sério conflito no entendimento do que vem a ser o poder de polícia.  Outro dia, durante a preparação da Conferência de Segurança Pública, aqui em Natal, em uma conversa informal sobre o assunto poder de polícia com o então e ainda Major Alarico, da Polícia Militar do Rio Grande do Norte, que também havia comandado a Guarda Municipal do Natal há alguns anos,  ele virou para mim e disse, muito seriamente, “a fiscalização tem poder de polícia sim, mas é diferente”.

Longe de mim contrariar o então Major, hoje Coronel, em seu entendimento, até porque eu também não queria ser preso!  Brincadeira a parte e ousando discordar da opinião do dedicado Coronel Alarico, por quem nutro grande respeito, principalmente pela sua conduta nessa instituição cada dia mais importante para a nossa sociedade, de que o poder de polícia exercido pela Polícias Militar, Civil, Federal, Municipal (Guarda), forças armadas na garantia da lei e da ordem  ou nas fonteiras, seja diferença do poder de polícia exercido pelos fiscais ambientais, urbanísticos, de serviços urbanos, de trânsito, da vigilância sanitária, da tributação, entre outros dentro do leque de posturas, visto que a definição do poder de polícia é definido por um único artigo na legislação brasileira, o Art. 78 do Código Tributário Nacional, Lei Federal 5172/1966.  O que diferencia uma polícia da outra é sua especialidade/finalidade ou o poder de portar arma de fogo, mas no resto, tudo é igual, qual seja: limitar, restringir, disciplinar o interesse ou a liberdade dos administrados conforme previsão legal e respeitando o devido processo legal e as garantias constitucionais de ampla defesa, in verbis:

“Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 28.12.1966)

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

Hely Lopes Meirelles conceitua Poder de Polícia como a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso, o gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.  Refere-se ainda a este Poder como o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Sua finalidade, então, é a proteção ao interesse público. Segundo Caio Tácito, o Poder de Polícia é, em suma, o conjunto de atribuições concedidas à Administração para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais.

CONTINUAREMOS EM BREVE…


* Evânio Mafra é Fiscal do Meio Ambiente do Município do Natal, Técnico em Mineração pelo CEFET (atual Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFRN), Graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), pós-graduado como especialista em Geoprocessamento e Cartografia Digital também pela UFRN.  Com cursos no Lincoln Institute of Land Policy sobre Impuestos a la Propriedad Inmobiliaria y Valuación de Inmuebles;  de Gestão Ambiental pela Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES) e; com atualização em Gestão Ambiental pela Cooperativa dos Consultores Multidisciplinares do Rio Grande do Norte (Coopemult) e Ordem dos Advogados do Brasil.  Atualmente é graduando do Curso de Zootecnia pela UFRN.

Comentários»

1. virginio arthur silva de souza - 04/06/2012

achei fascinante a matéria toda, gostaria de receber pelo e-mail que segue,toda matéria.Obrigado.

2. Vava do IBEMA - 07/12/2012

É…o digníssimo coronel tem lá suas razões, o poder de polícia de um órgão de fiscalização ambiental componente do SISNAMA é diferente do poder de polícia das polícias. Creio que, o que ele quis dizer, é que as polícias podem prender quem esteja cometendo um delito, um ilícito penal, e levar tal pessoa ao DP, e no caso dos agentes ambientais, o poder de polícia restringe-se em dar a voz de prisão mas não podem levar o “criminoso” ao DP, solicitando a PM ou qualquer outra polícia o apoio, para que isso seja feito – realmente o coronel está certo, ele apenas não explicou a diferença – de qualquer forma, toda pessoa (cidadão(ã) tem o poder de polícia, conforme art. 301 do CPP. Excelente matéria.

3. Fiscalização de Postura Pinheiral - 15/09/2014

muito bom!

4. Magdalen - 06/05/2016

Ótima matéria!
Foi de grande valia!

5. marcos - 23/08/2016

boa tarde, gostaria falar com vossa senhoria, tenho um caso concreto de multa ambiental e preciso de consultoria!


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